O mercado de carbono brasileiro

O mercado de carbono pode ser importante indutor da transição energética. O custo de externalidades negativas associadas à emissão de gases de efeito estufa (GEE) que até então era partilhado com a sociedade passa a ser internalizado pelo poluidor, o que cria incentivo para que o agente econômico busque eficiência (via redução de custo). O Brasil recentemente instituiu mercado regulado para além do setor de combustíveis, o que deve incentivar tal transição. E apesar da ausência de sanção específica aos que não observarem a norma, há na legislação brasileira autorização suficiente para sancionar aos que não cumprirem com suas obrigações. Essa recente regulamentação pode também reduzir os efeitos negativos de novas barreiras comerciais que surgem, como a do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) europeu.

Há mercados de carbono de dois tipos, cada um com sua lógica subjacente: o regulado, no qual ente central impõe metas ou obrigações relacionadas à redução das emissões de GEE aos agentes econômicos; e o voluntário, no qual os agentes compensam suas emissões espontaneamente, geralmente em reação a pressões de mercado.

No Brasil, desde a instituição da Política Nacional sobre Mudanças Climáticas (PNMC – Lei n. 12.187/2009) havia previsão da implementação de mercado de carbono (regulado). Seus mecanismos seriam o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), ambiente de negociação de títulos representativos de emissões de GEE evitadas, e os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, que objetivariam uma economia de baixo carbono.

O primeiro experimento do Brasil com o mercado regulado veio com o Programa RenovaBio (Lei 13.576/2017), cujo principal instrumento é o estabelecimento de metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis. Sua ferramenta são os Créditos de Descarbonização (CBIOs): distribuidoras de combustíveis fósseis devem cumprir metas anuais de descarbonização. E a forma pela qual cumprem tais metas é por meio da aquisição e da aposentadoria (baixa) de CBIOs, emitidos por importadores ou produtores de biocombustíveis.

Apesar de sua relevância, o programa se restringe ao setor de combustíveis. De modo a observar o comando da PNMC, em 2021 foi apresentado o Projeto de Lei 528 com o objetivo de regulamentar o mercado regulado de forma ampla, que passaria a ser obrigatório para determinados setores da economia, a serem identificados posteriormente por órgão responsável com base em determinados critérios estabelecidos no projeto.

Em maio de 2022, o Executivo se antecipou ao Legislativo e editou o Decreto n. 11.075 regulamentando a Lei do PNMC e criando as bases para a instituição de mercado regulado. Com redação bastante semelhante à do PL 528/2021, o Decreto estabeleceu procedimentos para elaboração de planos setoriais de mitigação e instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), que funcionará como central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações e de atos de comércio e aposentadoria de créditos de carbono.

Como o decreto regulamenta a Lei do PNMC, os setores que se sujeitarão ao mercado regulado são os já identificados em lei (e.g.: o de geração de energia elétrica, o de transporte, a indústria de transformação). Estes setores terão 180 dias, prorrogáveis por igual período, para apresentar proposta para o estabelecimento de curvas de redução de emissões de GEE, com o objetivo de alcançar a neutralidade climática da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira ao Acordo de Paris.

Por não constituir lei em sentido estrito, o Decreto tem limitações importantes. Uma delas é a falta de penalidade específica aos agentes que não se conformarem às metas de redução de emissão de GEE. Mas isso não quer dizer que o inadimplente sairá ileso. A Constituição Federal dispõe, de forma ampla, que o agente responsável por condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente estará obrigado à reparação dos danos causados (art. 225, § 3º, da CF). A Política Nacional do Meio Ambiente, por sua vez, dispõe que o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores a multa, perda de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, perda de linhas de financiamento especiais e a suspensão da atividade (art. 14 da Lei 6.938/1981).

Há inclusive emblemático julgado do Superior Tribunal de Justiça dispondo que o ofensor deve restituir ao patrimônio público o proveito econômico obtido com o empreendimento degradador (Recurso Especial n. 1.145.083), entendimento que poderia ser aplicado ao agente que decida não cumprir as políticas de redução de emissão de GEE.

O cenário internacional também começa a trazer incertezas a países que não onerarem a emissão de GEE. Em março de 2022, o Conselho da União Europeia acordou a instituição do mecanismo CBAM. Produtos importados (de setores específicos: cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes e eletricidade) serão onerados por custo de carbono equivalente ao incidente sobre produtos produzidos no mercado europeu (no início de 2022, um crédito de carbono do mercado europeu aproximou-se dos 100 euros). O custo do carbono efetivamente pago no país de origem poderá ser deduzido no âmbito do CBAM. Necessário aguardar a evolução do tema e pronunciamentos da EU para verificar se o MBRE satisfará os requisitos para dedutibilidade no contexto do CBAM.

O mundo está mudando e os custos associados à emissão de GEE passarão a compor o preço do produto. O Brasil, como visto, recentemente adotou normas relativas ao mercado regulado doméstico. Tais fatos serão importantes elementos para a transição energética: criarão incentivos para a busca de fontes de energia limpas. O produtor que conseguir reduzir suas emissões (ou compensá-las) terá importante vantagem competitiva, seja no mercado interno ou externo.


Autores L&S

Felipe Kneipp Salomon

Felipe Kneipp Salomon

Advogado

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